A noite de 22 de maio de 2024 foi especial para Matheus Serafim. Apesar da derrota por 1 a 0 para o Flamengo e a eliminação do Amazonas na terceira fase da Copa do Brasil, o ponta-esquerda, que chegou ao clube de Manaus há pouco mais de um mês, viu o celular encher de mensagens. O conteúdo não poderia ser outro: eram diversos elogios pela atuação que deu trabalho para a zaga do time carioca.
Serafim tem 26 anos e muitos sonhos — que quase foram destruídos com o tempo, quando não via uma oportunidade chegar. Até os 18 anos, o futebol, para ele, era apenas na várzea. Quando teve a chance de um teste no Guarani, em 2017, não desperdiçou. De lá para o duelo contra o Rubro-Negro, a trajetória foi longa.
O menino nascido em Cachoeiro/ES, cresceu rodeado por torcedores flamenguistas e vascaínos. Ele é fã de Vinicius Jr., mas, no futebol brasileiro, o primeiro nome que vem à cabeça quando pensa em inspiração é Dudu, ídolo do Palmeiras.
Bruno Henrique, do Flamengo, também é lembrado. Eles não se encontraram em campo na Arena da Amazônia, mas Serafim pôde conversar com os jogadores que antes só via pela televisão. O ponta quase não entendeu os elogios em portunhol do uruguaio Arrascaeta e vai levar para a vida os conselhos e até uma ‘chamada’ de Gerson. A atuação impressionou os adversários, que cravaram: ele tem potencial para jogar na Série A.
Matheus Serafim sentiu que dava para passar pelo Flamengo. O Amazonas teve boas chances e, em campo, os atletas passaram a acreditar cada vez mais na classificação, que renderia R$ 3,465 milhões de premiação. O valor representa mais de três meses da folha salarial do clube. Apesar das oportunidades, a bola não entrou.
O gosto amargo ficou da eliminação ficou, mas a noite, individualmente, foi emocionante para o jogador.
“Foi mágico. Tentei usar velocidade e drible, que são meus pontos fortes. Fui bem. Chegaram várias mensagens, toda hora é ligação, mensagem chegando. Estou muito feliz pelo momento”, contou, em entrevista exclusiva à ESPN.
Os elogios começaram ainda antes de o jogo acabar. As arrancadas de Serafim renderam até uma espécie de bronca de Gerson, meio-campista do Rubro-Negro.
“No primeiro tempo, quando passei pelo Arrascaeta, o Gerson veio falar: ‘Pô, neguinho, está jogando muito. Para de correr’. Na volta para o segundo tempo, ele me chamou para conversar de novo e falou: ‘Parabéns pela partida. Continue focado, que Deus te abençoe. Já, já vai jogar em time grande”, revelou.
“Quase todos jogadores do Flamengo vieram falar comigo, falaram que eu tenho potencial para jogar em clube de Série A, que eu tenho futuro. Isso foi gratificante, me deu até mais confiança para fazer minhas jogadas. Fiquei feliz. O Gerson, o Varela, o Fabrício Bruno vieram falar, dar conselho, que era para eu focar, que logo, logo estaria jogando a elite do Brasileirão”, completou.
Fabrício Bruno, inclusive, foi classificado como um dos zagueiros mais difíceis que o ponta já enfrentou.
“Ainda durante o jogo fui falar com o Fabrício, que me parabenizou pela partida. Depois veio o Arrasca, nem entendi muito o que ele falou, mas me deu parabéns. Depois veio o Ayrton, o Wesley. Vai ficar marcado na minha vida”, disse.
“Confesso que foi difícil dormir. Acordei cedo hoje, aquela ansiedade de virar a noite logo para acordar e ver as mensagens, rever os lances. Revi o jogo ontem”, finalizou.
Sonho de infância
Jogar contra o Flamengo foi a realização de um desejo de infância. O sonho começou a ser realizado no último dia 1º, no duelo de ida, também com derrota por 1 a 0. Foi a consagração de uma carreira que começou quase por acaso.
“Quando era criança, no Espírito Santo, a gente só vivia Flamengo. A gente vivia Flamengo, Vasco, Fluminense, Botafogo. Jogar contra o Flamengo em estádio cheio, como foi no Maracanã, é o sonho de todo jogador, atuar no palco do futebol brasileiro”, destacou.
“Nunca tive [categoria de] base. Minha base sempre foi jogando várzea. Cheguei ao Guarani em 2017 para fazer um teste no sub-20. Fiquei só três meses na base lá. O treinador era o Vadão, por quem eu tive um carinho enorme. Foi o cara que me jogou para esse mundo do futebol, me subiu para o profissional. Com 18 anos comecei minha trajetória”, revelou.
Serafim, quando completou a maioridade, quase não acreditava que ainda poderia ser um jogador profissional.
“Quando era pequeno ia para umas escolinhas [de futebol]. O sonho foi aos poucos acabando. É muito difícil sair jogador do Espírito Santo, principalmente de Cachoeiro de Itapemirim, mas a partir do momento em que acreditamos em Deus… Após um jogo, um conhecido meu me apresentou para um empresário que me colocou para fazer o teste no Guarani. Tudo começou a acontecer e comecei a acreditar mais”, contou.
A trajetória, ele acredita, está no auge. O ponta é titular do Amazonas e tem conquistado a torcida, mas sonha ainda mais alto.
“Hoje pela manhã comprei um fone de ouvido e o motoboy já pediu para tirar foto, o pessoal do condomínio também. Tenho recebido mensagens dos torcedores. Sempre que vou ao shopping os torcedores estão me dando esse carinho”, disse.
“Jogador de futebol sempre quer chegar no alto nível, jogar uma Série A, jogar fora do país, em clube que disputa a Champions League. Quero vestir a camisa da seleção brasileira. Nada é impossível. Pode ser até com o Amazonas, chegar na Série A. Quero chegar no alto nível do futebol brasileiro, na primeira divisão. É sonho de moleque que vem do terrão: disputar Champions League e jogar pela seleção brasileira”, completou.
Convivência com medalhões
A passagem de Matheus Serafim pelo Amazonas é, pelo menos até aqui, por empréstimo. Ele pertence ao São José, que disputa a Série D do Brasileirão, e tem contrato até 2026. O jogador chegou a Manaus no último dia da janela de transferências, em abril.
No clube, tem dividido espaço com medalhões do futebol brasileiro, como Jô, Dentinho e Sassá. O começo de campeonato não foi bom. O clube é o 15º colocado, com cinco pontos em seis jogos.
“Sempre vi esses caras jogarem pela televisão. Principalmente o Jô e o Sassá, que estão atuando, são caras que me ajudam muito durante os jogos e durante o dia a dia, me dão conselhos. Falam que, se eu continuar focado, vai aparecer coisa grande, que eu sou um tipo de jogador que está em falta no Brasil, que é esse 1 pra 1, ir para cima”, afirmou.
“Sabemos que é difícil [classificar para a Série A], não estamos tão bem, mas vamos encaixar. Nossa logística de viagem é cansativa, temos de fazer dois voos, fazer escala, não temos tempo de treinar igual aos outros times. Temos sofrido bastante com cansaço, com as viagens, mas creio que vamos dar a volta por cima”, completou.
Inspirações
As referências de Matheus Serafim estão em jogadores brasileiros. Ele é fã de Dudu, do Palmeiras, e de Bruno Henrique, do Flamengo. “São caras que sempre me espelhei”, diz. O ponta também se vê em dois jogadores ainda mais jovens que ele, que se destacam no Real Madrid.
“Vinicius Jr. e Rodrygo. São caras que têm as minhas características. Antes dos jogos eu sempre vejo os melhores lances deles, de drible, finalização, arranque de 1 pra 1”, contou.
“O Vini Jr. é um cara que não tenho dúvidas de que merece ganhar a Bola de Ouro, por tudo que vem fazendo, tudo que tem passado na Europa, com racismo, mesmo assim não abaixa a cabeça. E dentro de campo não tem o que falar. Gols, assistências, dribles, habilidade. É uma cara que sou muito fã”, garantiu.
A referência de finalização, porém, esteve em campo junto de Serafim na última noite.
“É o Pedro. Não cheguei a pedir [conselho], mas para mim foi gratificante. Uma mulher me marcou em uma foto em que estou cumprimentando ele antes da partida. Ele falou: ‘Deus te abençoe’. A humildade dos caras [do Flamengo] é uma coisa incrível. Vou guardar para sempre na minha vida”, disse.
“Ontem vivi uma noite incrível. Espero viver isso novamente. Estou muito feliz pelo momento e pelo que Deus tem feito na minha vida”, finalizou.
Fonte: ESPN